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marinahudesouza

A dança perfeita

Uma história em Buenos Aires para entrar no clima da viagem que se aproxima.





Se fosse para dançar seria na peculiar Buenos Aires. Jaime não sabia onde dormiria ainda naquela noite. Chegou apenas com uma mochila e dirigiu-se para a casa de shows mais famosa da cidade.

Tango’s Night era um lugar para turistas e, certamente, era lá que Jaime iria conseguir mais dinheiro com seu talento nato.

— Susan, eu te amo, mas a dança é a minha vida e a minha vida não está aqui no Brasil, eu parto hoje para Buenos Aires.

Foi com essa frase clichê que Jaime deixou Susan estagnada no ponto de ônibus refletindo.

Partiu o coração dela e em seguida partiu em direção ao país vizinho com o entusiasmo de quem começa um novo amor.

Ao adentrar na recepção do Tango's Night, no meio da tarde, Jaime pensou que deveria ter se arrumado melhor para garantir o emprego, seu talento era indiscutível, mas sua vestimenta não passava a impressão de ser um bom dançarino.

Veio com o que tinha no Brasil e não era muito, também não precisava de tanto assim para dançar. Até descalço dava passos certeiros no ritmo da música. Bastava um gel no cabelo para alinhar as madeixas lisas, deixando as mulheres sem fôlego toda vez que dançava nos sambas e forrós de sua antiga Floripa.

Se lá fazia sucesso com as mocinhas, aqui na Buenos Aires dos sonhos passava despercebido pelas mujeres.

A porta da entrada da casa de shows era pesada para dar o ar de imponência. O balcão da recepção brilhava em tons de vermelho, a cor do fogo, do amor, do tango, como se alguém tivesse acabado de polir a madeira, deixando o letreiro ainda mais chamativo “Uma noite inesquecível: Tango’s Night”. A recepcionista continuou digitando sem levantar os olhos para Jaime.

— Pois não?

— Eu estou atrás de uma vaga para…

— A cozinha está lotada.

— Não é na cozinha que eu…

— A equipe de faxina também está completa, assim como a dos garçons, obrigada.

— Eu vim para dançar – disse Jaime num portunhol arranhado usando seu melhor sorriso para convencer a moça.

Ela parou de digitar e olhou para Jaime de cima até embaixo.

— Olha, a equipe de shows está lotada, tem gente na fila de espera que não vai ser chamado nem no ano que vem.

— Tem como…

— Não, a lista de espera também já está cheia.

Sem se despedir, com vontade de estrangular a mulher com o lenço vermelho que ela trazia no pescoço, Jaime saiu daquele lugar com os ombros curvados. A mochila agora carregada numa das mãos trazia o peso da frustração.

Até aquela manhã tinha certeza que sua simpatia e seu talento o fariam entrar na equipe logo que o encarassem. Não contava que para chegar nos palcos era preciso passar pela coxia.

Saiu caminhando sem direção atrás de alguma espelunca que o hospedasse naquela noite por uma miséria. Sem a certeza de um salário, não poderia gastar suas economias de forma imprudente.

Caminhando pelo bairro de Puerto Madero deparou-se com a Ponte de La Mujer e sua mente viu nos traços, e no nome, sua parceira de dança. Não era à toa que Jaime vivia para dançar, seu coração batia no ritmo da música e sua mente viajava nas formas e passos de dança.

Largou a mochila e levantou o braço como se esperasse a mão de uma dama para dançar. Cortejou a ponte como se ela aceitasse o convite.

Passou a bailar sozinho, com a música estalando alto em sua mente. Os olhos fechados culminaram em passos perfeitos na rua de lajotas.

Um grupo de mulheres, munidas de máquinas fotográficas, pararam de retratar o cartão postal da cidade para mirar suas lentes em Jaime.

Um homem, parado mais atrás, provavelmente o motorista da excursão, aplaudiu assim que os movimentos de Jaime diminuíram, buscando ao fim, quem sabe, receber uma recompensa monetária do artista. O grupo sorridente de senhoras seguiu o entusiasta e aplaudiu a apresentação de rua, colocando notas sobre a mochila do rapaz.

Uma das turistas se pôs perto de Jaime pedindo, em outra língua, que a amiga capturasse a imagem. Os braços de Jaime, como numa dança fluida que o corpo não esquece, esticou uma mão para a donzela, enquanto a outra mão segurava a perna da mulher na tradicional pose que o tango exigia.

Jaime sorriu, talvez não precisasse dormir numa espelunca naquela noite.



Conto escrito em 28/6/2021 para o Clube de Escrita da Bilica onde o exercício era escrever uma história que se passasse em Buenos Aires.


Publicando aqui hoje pois nessa mesma data partimos rumo a Buenos Aires para curtir férias nesse lugar tão peculiar e encantador.

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