Escuto um choro enquanto lavo as mãos. Olhos pelo espelho e aguardo alguém sair do banheiro. Um assoar de nariz, uma fungada. A tampa do vaso batendo. Passo sabonete pela segunda vez. Aperto a torneira automática pela quinta. Nunca tem tempo suficiente para lavar a espuma. Mas não é de bom tom encarar quem sofre. Decido deixar o banheiro no exato momento em que ouço o destrancar da porta.
Entro no meu carro com as lágrimas na cabeça. Dirijo com o choro latejando nas têmporas. A música não ajuda, só incentiva o fluir de um rio: “Instant Crush”, na versão de Pomplamoose. Quem compõe música conhece as formas de fazer alguém chorar. Essa melodia certamente tinha intenção de jogar o ouvinte no poço da depressão.
Curvas na estrada, na vida. Lombadas, parcas calçadas, inexistentes pedestres. As luzes dos postes piscam para mim. Dizem que a distância entre um poste e outro é de sessenta metros. Deveria ser menos. Sempre tem um intervalo de escuridão no asfalto. Luz, falta de luz, claro, trevas, lâmpada, breu. E assim o brilho e a luz brigam eternamente.
Antes da curva placas anunciam: cinco, quatro, três, dois, um. O que tem no final? Um prêmio? Uma surpresa? Adoro surpresas. O anúncio da curva é desmedido com a esperança do ser humano. Um gato atravessa na frente do meu carro quando chego no marco zero. Girei o volante. Ele quase escapou, mas não. Seria um presságio?
Ouço o choro na minha cabeça. Era o meu choro, breu. Destranquei a porta, veio o breu, depois luz, a eternidade, era essa a surpresa?
Marina Hadlich
Conto escrito em 11/4/2022 depois de sair do cinema e entrar no banheiro ouvindo alguém assoar o nariz.
Na volta para casa a música citada me fez reparar no caminho que eu percorria e talvez um dia não percorresse mais. As placas em ordem decrescente de fato existem na minha rua, espero que o gato não.
Comments