
"No bar Joacir é chamado de corno e sai sem pagar a conta. A volta para casa será mais longa sem dinheiro para o ônibus, não que o motorista parasse para um homem que anda trôpego pela calçada quase abandonando o meio-fio em direção à estrada.
Duas moças paradas na esquina desdenham da cantada dele sequer compreendida pela dicção afetada pelo álcool.
Adiante, Joacir reconhece num cartaz colado no poste sua esperança de reconquistar a amada, ainda que ela o tenha trocado por outro e que todos na região tenham ciência do fato. “Trago o amor de volta em três dias”.
— É muito tempo – diz o bêbado fazendo sinal para o poste como se o desdenhasse.
Segue pela calçada trilhando um caminho como João e Maria, porém, não com pão ou com milho, mas com o líquido que escorre da garrafa já virada de ponta-cabeça como uma equilibrista na mão do malandro.
Num jardim adiante: uma rosa. Joacir vê na flor mais uma fagulha de esperança de reconquistar a mulher que está em casa arrumando a mala para ir embora com outro. A cerca é alta, o braço curto para alcançar entre as barras a flor tão desejada.
Com raiva, Joacir joga a garrafa contra outro poste, como se ele fosse culpado de a mulher ter-lhe escapado da convivência.
Já sem trilho, sem milho e sem brilho, Joacir brinca sem querer de trocar as pernas entre as lajotas pretas e brancas.
Outra centelha de esperança quando vislumbra à frente uma vitrine. Não é adornada por um manequim com o vestido vermelho que sua mulher deseja, mas sim com um romance que sua esposa gostaria de ter vivido.
Mesmo com o olhar tão cambaleante quanto as pernas, Joacir reconhece a capa da obra que a esposa namora pela internet. Não pensa duas vezes, essa seria a maneira de reconquistar sua quase ex. Sem garrafa, cata uma pedra nos arredores e taca-lhe contra a vidraça.
A ânsia de pegar apenas o romance para a mulher passa, como uma bebedeira no dia seguinte. Quebra mais a ponto de passar pelo buraco sem dor ao raspar as costas contra o vidro pontiagudo. A cabeça, mesmo cheia de galhos, passa ilesa.
Com o exemplar do romance de época embaixo do braço, Joacir segue entre as prateleiras. Passa a mão sobre as lombadas como se acariciasse o corpo da mulher, não delicado, mas bruto, procurando algo que o interessasse também.
Procura talvez a resposta para dor de cotovelo, quem sabe a cura para a bebida, ou até receita de como recuperar um amor perdido em menos de três dias.
De fora da biblioteca era nítido o rompimento da vitrine. Quem furtaria um baú de histórias? Sabedoria não se rouba, se conquista. Joacir, na vã esperança de descobrir o segredo para sua ressaca e seus problemas, dorme sobre a capa de um livro que pretende ler por osmose.
As luzes vermelhas brilham nos cacos do chão. Os roncos do homem sobre o exemplar de “Dom Casmurro” não cessam nem quando o policial lhe aponta a arma sob ordem de prisão.
Que crime comete um homem que tem o coração furtado?" Diga nos comentários o que achou do texto.
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